Jean-Marc ergueu-se para ir buscar a garrafa de conhaque e dois copos. E, depois, de uma golada: - No fim da minha visita ao hospital, ele comecou a contar recordacoes. Recordou-me aquilo que eu teria dito quando tinha dezasseis anos. Nesse momento compreendi o unico sentido da amizade tal como hoje e praticada. A amizade e indispensavel ao homem para o bom funcionamento da sua memoria. Lembrar-se do passado, traze-lo sempre consigo, e talvez a condicao necessaria para conservar, como se costuma dizer, a integridade do eu. Pare o eu nao encolha, para que mantenha o seu volume, e preciso regar as recordacoes como as flores de uma vaso, e essa rega exige um contacto regular com testemunhas do passado, isto e, com amigos. Eles sao o nosso espelho, a nossa memoria; nao se exige anda deles, apenas que de vez em quando puxem o lustro a esse espelho para que nos possamos mirar nele. Mas estou -me nas tintas para o que fazia no liceu! O que sempre desejei desde a primeira juventude, talvez desde a infancia, foi algo completamente diferente: a amizade como um valor acima de todos os outros. Gostava de dizer: entre a verdade e o amigo, escolho sempre o amigo. Dizia-o por provocacao, mas pensava-o a serio. Hoje sei que essa maxima era arcaica. Podia ser valida para Aquiles, o amigo de Patroclo, para os mosqueteiros de Alexandre Dumas, ate ao Sancho, que apesar dos desacordos era um verdadeiro amigo do seu amo. Mas ja nao o e para nos. Vou tao no meu pessimismo que hoje posso preferir a verdade a amizade.