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Liguei para Carmen Garcia Mallo, uma das minhas melhores amigas, com o animo sombrio e furibundo: -- Hoje eu queria escrever, tinha o dia todo para escrever, e desperdicei o tempo respondendo e-mails. -- Por que? -- Sei la. As vezes a gente evita comecar o trabalho. E uma coisa esquisita. -- Por preguica? -- Nao, nao. -- Por que? -- Por medo. Nao soube explicar, mas ontem, na desprotecao extrema da noite, na claridade alucinada da noite, enquanto me revirava na cama, entendi exatamente o que queria dizer. Por medo de tudo o que voce deixa sem escrever uma vez que parte para a acao. Por medo de concretizar a ideia, de aprisiona-la, deteriora-la, mutila-la. Enquanto permanecem no rutilante limbo do imaginario, enquanto sao somente ideias e projetos, seus livros sao absolutamente maravilhosos, os melhores livros que ja foram escritos. E so depois, quando voce os vai cravando na realidade palavra por palavra, como Nabokov cravava suas pobres borboletas na cortica, e que se transformam em coisas inevitavelmente mortas, em insetos crucificados, por mais que sejam recobertos por um triste po de ouro.