PorCap - Wisdom

Chapter 1

1:1  *Amai a justiça, vós que governais a terra, tende para com o Senhor sentimentos retos e buscai-o com sinceridade de coração.

1:2  Porque Ele deixa-se encontrar por aqueles que não o tentam e revela-se aos que não perdem a fé nele.

1:3  Com efeito, os pensamentos perversos afastam de Deus; e o seu poder, posto à prova, confunde os insensatos.

1:4  A sabedoria não entrará numa alma maligna nem habitará num homem sujeito ao pecado.

1:5  *O espírito santo, que nos educa, foge da duplicidade, afasta-se dos pensamentos insensatos, retira-se ao aproximar-se a iniquidade.

1:6  A sabedoria é um espírito benevolente, mas que não deixará sem castigo os lábios blasfemos, porque Deus é testemunha dos seus pensamentos, examina o seu coração segundo a verdade e escuta as suas palavras.

1:7  *O espírito do Senhor enche o universo, e Ele, que tudo abrange, tem conhecimento de quanto se diz.

1:8  Aquele que profere palavras iníquas, não poderá ocultar-se, e a justiça acusadora não passará ao largo dele:

1:9  os planos do ímpio serão examinados, o som das suas palavras chegará aos ouvidos do Senhor, como prova dos seus delitos.

1:10  Com efeito, é um ouvido cioso que tudo ouve, até o ruído das murmurações não ficará escondido.

1:11  *Abstende-vos, pois, de murmurações inúteis; evitai que a vossa língua se entregue à maledicência, porque a palavra secreta não fica sem efeito, e a boca que calunia dá morte à alma.

1:12  Não procureis a morte com uma vida desregrada nem susciteis a vossa perdição com as obras das vossas mãos.

1:13  *Deus não é o autor da morte nem se compraz com a destruição dos vivos.

1:14  Pois Ele tudo criou para a existência, e todas as criaturas têm em si a salvação. Não há nelas veneno de morte, nem o poder do Hades domina sobre a terra,

1:15  porque a justiça é imortal.

1:16  *Mas os ímpios atraem o Hades com palavras e obras; julgando-o seu amigo, por ele se consomem, fazem aliança com ele; bem merecem fazer parte dele.

Chapter 2

2:1  *Dizem, com efeito, nos seus falsos raciocínios: «Breve e triste é a nossa vida, não há remédio algum quando chega a morte. E também não se conhece ninguém que tenha regressado do mundo dos mortos.

2:2  Foi por acaso que viemos à existência e, depois, será como se não tivéssemos existido! A respiração das nossas narinas é apenas fumo, e o pensamento, uma centelha do bater do coração!

2:3  Quando ela se apaga, o nosso corpo voltará ao pó, e o nosso espírito se dissolverá como o ar subtil.

2:4  Com o tempo, o nosso nome cairá no esquecimento, e ninguém se lembrará das nossas obras. A nossa vida é como uma nuvem que passa sem deixar rasto, há de dissipar-se como bruma, ferida pelos raios de sol e abatida pelo seu calor.

2:5  O tempo da nossa vida é como sombra que passa, e o nosso fim não se pode adiar, pois a vida está selada e ninguém pode voltar atrás.

2:6  Vinde, pois! Gozemos dos bens presentes, tiremos prazer das criaturas com o ardor da nossa juventude!

2:7  Inebriemo-nos do melhor vinho e de perfumes, e não deixemos passar as primeiras flores da primavera!

2:8  *Coroemo-nos de botões de rosas, antes que murchem!

2:9  Nenhum de nós falte às nossas orgias; deixemos em toda a parte sinais da nossa alegria, pois esta é a nossa parte e a nossa herança.»

2:10  *«Oprimamos o justo na sua pobreza, não poupemos a viúva nem respeitemos os cabelos brancos do ancião!

2:11  Seja a nossa força a norma da justiça porque o que é fraco para nada serve.

2:12  *Armemos laços ao justo porque nos incomoda, e se opõe à nossa forma de atuar. Censura-nos as transgressões da Lei, acusa-nos de sermos infiéis à nossa educação.

2:13  Ele afirma ter o conhecimento de Deus e chama-se a si mesmo filho do Senhor!

2:14  Ele tornou-se uma viva censura para os nossos pensamentos; só o ato de o vermos nos incomoda,

2:15  pois a sua vida não é semelhante à dos outros, e os seus caminhos são muito diferentes.

2:16  *Ele considera-nos como escória e afasta-se dos nossos caminhos como de imundícies. Declara feliz a sorte final do justo e gloria-se de ter a Deus por pai.

2:17  Vejamos, pois, se as suas palavras são verdadeiras, e que lhe acontecerá no fim da vida.

2:18  Porque, se o justo é filho de Deus, Deus há de ampará-lo e tirá-lo das mãos dos seus adversários.

2:19  Provemo-lo com ultrajes e torturas para avaliar da sua paciência e comprovar a sua resistência.

2:20  Condenemo-lo a uma morte infame, pois, segundo ele diz, Deus o protegerá.»

2:21  Estes são os seus pensamentos, mas enganam-se porque os cega a sua malícia.

2:22  *Ignoram os desígnios secretos de Deus, não esperam a recompensa da piedade e não acreditam no prémio reservado às almas simples.

2:23  Com efeito, Deus criou o homem para a incorruptibilidade e fê-lo à imagem do seu próprio ser.

2:24  *Por inveja do diabo é que a morte entrou no mundo, e hão de prová-la os que pertencem ao diabo.

Chapter 3

3:1  *As almas dos justos estão nas mãos de Deus e nenhum tormento os atingirá.

3:2  Aos olhos dos insensatos pareceram morrer, a sua saída deste mundo foi tida como uma desgraça,

3:3  a sua morte, como uma derrota. Mas eles estão em paz.

3:4  Se aos olhos dos homens foram castigados, a sua esperança estava cheia de imortalidade.

3:5  Depois de terem sofrido um pouco, receberão grandes bens, pois Deus os provou e achou dignos de si.

3:6  *Ele os provou como ouro no crisol e aceitou-os como um holocausto.

3:7  No tempo da intervenção de Deus, os justos resplandecerão e propagar-se-ão como centelhas através da palha.

3:8  Julgarão as nações e dominarão os povos, e o Senhor reinará sobre eles para sempre.

3:9  Aqueles que nele confiam compreenderão a verdade, e os que são fiéis no amor habitarão com Ele, pois a graça e a misericórdia são para os seus eleitos.

3:10  *Os ímpios, pelo contrário, serão castigados segundo os seus pensamentos, porque desprezaram o justo e se afastaram do Senhor.

3:11  Desgraçados daqueles que desprezam a sabedoria e a sua disciplina! Vã é a sua esperança, sem proveito os seus esforços, inúteis as suas obras.

3:12  As suas mulheres são insensatas, e os filhos, depravados, maldita, a sua descendência.

3:13  *Feliz a estéril imaculada, que não manchou o seu leito: terá a sua recompensa no dia do juízo.

3:14  Feliz também o eunuco que não praticou o mal nem teve maus pensamentos contra o Senhor: receberá uma graça especial pela sua fidelidade e um posto muito honroso no templo do Senhor.

3:15  *Pois é glorioso o fruto dos bons trabalhos e imperecível a raiz da prudência.

3:16  *Porém, os filhos dos adúlteros não hão de desabrochar, e a descendência da união ilegítima será exterminada.

3:17  Ainda que tenham vida longa, ninguém fará caso deles, e será sem honra o fim da sua velhice.

3:18  E se morrerem cedo, não terão esperança nem consolação no dia do juízo,

3:19  pois é penoso o fim de uma raça injusta.

Chapter 4

4:1  Mais vale uma vida sem filhos, possuindo a virtude, pois a imortalidade está na recordação da virtude: ela é reconhecida por Deus e pelos homens.

4:2  Quando está presente, é imitada; quando está ausente, é desejada; na eternidade, triunfa e é coroada por ter vencido, sem mancha, nos combates.

4:3  Ao contrário, a numerosa posteridade dos ímpios será inútil: saída de rebentos bastardos, não lançará raízes fundas nem terá bases sólidas.

4:4  Ainda que, por algum tempo, se cubra de ramos, por não estar bem sólida, será abalada pelo vento e arrancada pela violência da tempestade.

4:5  Os ramos serão quebrados ainda tenros, os seus frutos serão inúteis, verdes demais para serem comidos e impróprios para qualquer uso.

4:6  Pois os filhos das uniões ilícitas são testemunhas da maldade de seus pais no dia do juízo.

4:7  *O justo, porém, ainda que morra prematuramente, gozará de repouso.

4:8  Uma velhice venerável não consiste em longa vida nem se mede pelo número de anos.

4:9  As cãs do homem são a prudência, e uma verdadeira velhice é uma vida imaculada.

4:10  Tendo-se tornado agradável a Deus, foi amado por Ele e, como vivia entre os pecadores, foi transferido por Deus.

4:11  Foi arrebatado a fim de que a malícia não lhe corrompesse a inteligência, nem a astúcia lhe corrompesse a alma.

4:12  Pois o fascínio do mal obscurece o bem, e a vertigem da paixão perverte uma mente sem maldade.

4:13  Chegado rapidamente à perfeição, atingiu a plenitude de uma longa vida.

4:14  A sua vida era agradável ao Senhor, por isso Ele se apressou em tirá-lo do meio do mal. As pessoas viram mas não compreenderam nem refletiram nisto:

4:15  que a graça e a misericórdia são para os seus eleitos e que Ele intervirá em favor dos seus santos.

4:16  O justo que morre condena os ímpios que sobrevivem; e o jovem, que em pouco tempo chega à perfeição, condena a longa vida do pecador.

4:17  Eles verão o fim do sábio, mas não compreenderão os desígnios do Senhor sobre ele, nem por que motivo o Senhor o pôs em segurança.

4:18  *Hão de vê-lo e desprezá-lo, mas o Senhor se rirá deles.

4:19  *Depois disto, se converterão num cadáver sem honra, num objeto de opróbrio para sempre entre os mortos; pois o Senhor os precipitará de cabeça para baixo, sem poderem falar, os sacudirá nos seus fundamentos, e ficarão totalmente abalados. Viverão com amargura e a sua memória perecerá.

4:20  Quando se pedir contas dos seus pecados, virão aterrorizados, e os seus pecados se levantarão contra eles para os acusar.

Chapter 5

5:1  Então, com grande confiança, o justo se levantará face aos que os oprimiram e desprezaram as suas obras.

5:2  *Ao verem-no, serão abalados por um horrível temor e ficarão estupefactos com a sua inesperada salvação.

5:3  Dirão entre si, arrependidos, gemendo na angústia da sua alma:

5:4  «Este é aquele de quem nós outrora escarnecemos e a quem loucamente cobrimos de opróbrio! Insensatos de nós, que considerámos a sua vida uma loucura e a sua morte uma vergonha!

5:5  Como é ele contado entre os filhos de Deus e partilha da sorte dos santos?

5:6  Assim, extraviámo-nos do caminho da verdade, a luz da justiça não brilhou para nós e o Sol não se levantou sobre nós.

5:7  Andámos pelas sendas da maldade e da perdição, vagueámos pelos desertos sem caminhos e ignorámos o caminho do Senhor!

5:8  Que proveito tirámos do nosso orgulho, e de que nos serviu a riqueza e a arrogância?

5:9  Tudo isso desapareceu como a sombra, como uma sombra que passa,

5:10  como um navio que vai cortando as ondas agitadas, sem deixar rasto da sua passagem nem vestígio da sua quilha nas ondas.

5:11  Ou como a ave que voa pelos ares, sem deixar sinal do seu voo; bate o ar com as asas, fende-o com a força do seu impulso, atravessa-o com o mover das suas asas, sem deixar rasto da sua passagem.

5:12  Ou como a seta atirada ao alvo, que fende o ar, mas este logo se une, ignorando-se, depois, a trajetória seguida.

5:13  Assim também nós: mal nascemos, logo desaparecemos, sem poder mostrar rasto de virtude. Fomos consumidos pela nossa própria maldade.»

5:14  *Sim, a esperança do ímpio é como poeira levada pelo vento, como leve espuma espalhada pela tempestade, como fumo dissipado pela aragem e como lembrança do hóspede de um dia que passa.

5:15  *Mas os justos viverão eternamente, o Senhor os recompensará e o Altíssimo cuidará deles.

5:16  *Por isso, receberão um reino de glória e um diadema brilhante da mão do Senhor; com a sua direita os protegerá e com o seu braço os defenderá.

5:17  Tomará o seu zelo como armadura e armará a criação para castigar os seus inimigos.

5:18  Tomará por couraça a justiça, e por capacete o juízo sincero.

5:19  Tomará a santidade como um escudo invencível.

5:20  *Afiará a sua ira para lhe servir de espada, e todo o universo lutará com Ele contra os insensatos.

5:21  Os raios sairão como setas certeiras desferidas das nuvens, como de um arco bem distendido voarão para o alvo.

5:22  Uma funda lançará uma violenta saraivada, a água do mar se enfurecerá contra eles, e os rios os arrastarão sem piedade.

5:23  Um vento poderoso investirá contra eles e como um furacão os dispersará. A maldade fará de toda a terra um deserto, e a iniquidade arrasará os tronos dos poderosos!

Chapter 6

6:1  Ouvi, pois, ó reis, e entendei; aprendei, ó vós que governais em toda a terra!

6:2  *Prestai ouvidos, vós que reinais sobre as multidões e vos gloriais do número dos vossos povos!

6:3  Porque do Senhor recebestes o poder, e a soberania vem do Altíssimo, que julgará as vossas obras e examinará os vossos pensamentos.

6:4  Pois, sendo ministros do reino, não governastes com retidão nem respeitastes a Lei, nem seguistes a vontade de Deus.

6:5  De modo terrível e inesperado, Ele vos aparecerá, pois um julgamento rigoroso será feito aos grandes.

6:6  O pequeno, com efeito, encontrará misericórdia, mas os poderosos serão examinados com rigor.

6:7  O Senhor de todos não temerá ninguém nem se intimidará com a grandeza, pois Ele criou o pequeno e o grande e de todos cuida igualmente.

6:8  Mas, para os poderosos, o julgamento será severo.

6:9  A vós, pois, ó reis, se dirigem as minhas palavras para que aprendais a sabedoria e não pequeis.

6:10  Aqueles que se conduzem segundo as leis santas serão reconhecidos como santos, e os que se deixam instruir por elas, nelas encontrarão a sua defesa.

6:11  Ansiai, pois, pelas minhas palavras, desejai-as ardentemente e sereis instruídos.

6:12  *Radiante e inalterável é a sabedoria; facilmente se deixa ver por aqueles que a amam, e encontrar por aqueles que a buscam.

6:13  Antecipa-se a manifestar-se aos que a desejam.

6:14  Quem por ela madruga não se cansará: há de encontrá-la sentada à sua porta.

6:15  Meditar nela é prudência consumada, e aquele que não dorme por causa dela depressa estará livre de inquietação.

6:16  *Pois ela própria vai à procura dos que são dignos dela, pelos caminhos lhes aparece com benevolência e vai ao encontro deles, em cada um dos seus pensamentos.

6:17  O princípio da sabedoria é o sincero desejo de ser instruído por ela, e desejar instruir-se é já amá-la.

6:18  Mas amá-la é obedecer às suas leis, e obedecer às suas leis é garantia de incorruptibilidade.

6:19  E a incorruptibilidade aproxima-nos de Deus.

6:20  Desta forma, o desejo da sabedoria conduz à realeza!

6:21  Portanto, ó senhores dos povos, se quereis tronos e cetros, honrai a sabedoria e reinareis para sempre.

6:22  *Eu vou anunciar-vos o que é a sabedoria e qual a sua origem, sem vos esconder os seus segredos. Desde a sua origem mais remota a investigarei e porei a claro o seu conhecimento, sem me afastar da verdade.

6:23  Não caminharei com aquele que se consome de inveja, pois esta nada tem a ver com a sabedoria.

6:24  A multidão dos sábios é a salvação do mundo e um rei sábio é o bem-estar do povo.

6:25  Deixai-vos, pois, instruir pelas minhas palavras e delas tirareis grande proveito.

Chapter 7

7:1  *Também eu sou um homem mortal como todos os homens, descendente do primeiro que foi formado da terra, e no ventre de uma mãe fui feito carne.

7:2  *Durante dez meses fui ganhando corpo no sangue, a partir do sémen do homem e do prazer conjugal.

7:3  Também eu, ao nascer, respirei o ar comum e, como todos, caí sobre uma terra de sofrimento e, como todos, a primeira coisa que fiz foi chorar.

7:4  Criaram-me com mimos entre cueiros.

7:5  Nenhum rei começou de outro modo a sua existência,

7:6  pois, para todos, é igual o começo e o fim da vida.

7:7  *Por isso pedi, e foi-me dada a inteligência; supliquei, e veio a mim o espírito de sabedoria.

7:8  Preferi-a aos cetros e aos tronos, e, em comparação com ela, vi que não eram nada as riquezas.

7:9  Nem sequer a comparei às pedras preciosas, pois o ouro todo, diante dela, é um pouco de areia, e a prata, perante ela, será como lodo.

7:10  *Amei-a mais que a saúde e a beleza, e antes a quis ter a ela que a luz, pois a sua claridade jamais tem ocaso.

7:11  *Com ela me vieram todos os bens, e nas suas mãos está uma riqueza incalculável.

7:12  Deliciei-me com todos estes bens, pois é a sabedoria quem os conduz, mas eu ignorava que ela fosse a sua mãe.

7:13  Aprendi-a com simplicidade, reparto-a sem reservas e não escondo a sua riqueza,

7:14  *porque ela é para os homens um tesouro inesgotável; os que a adquirem tornam-se agradáveis a Deus, e recomendáveis a Ele pelos dons da instrução.

7:15  Que Deus me permita falar com inteligência e ter pensamentos dignos dos dons concedidos, pois é Ele quem guia a sabedoria e quem dirige os sábios.

7:16  *Em suas mãos estamos nós e as nossas palavras, toda a inteligência e toda a habilidade.

7:17  *Foi Ele quem me deu a verdadeira ciência das coisas para conhecer a estrutura do universo e a propriedade dos elementos:

7:18  o princípio, o fim e o meio dos tempos, a alternância dos solstícios e a sucessão das estações,

7:19  os ciclos do ano e as posições dos astros,

7:20  a natureza dos animais e os instintos das feras, o poder dos espíritos e os pensamentos dos homens, a variedade das plantas e as virtudes das raízes.

7:21  *Conheci tudo o que está oculto ou manifesto, pois a sabedoria, artífice de tudo, mo ensinou.

7:22  *Com efeito, há nela um espírito inteligente e santo, único, múltiplo e subtil, ágil, penetrante e puro, límpido, invulnerável, amigo do bem e perspicaz,

7:23  livre, benéfico e amigo dos homens, estável, firme e sereno, que tudo pode e tudo vê, que penetra todos os espíritos, os inteligentes, os puros e os mais subtis.

7:24  A sabedoria é mais ágil que todo o movimento e por sua pureza tudo atravessa e penetra.

7:25  Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação pura da glória do Omnipotente, pelo que nada de impuro entra nela.

7:26  *Ela é um reflexo da luz eterna, um espelho imaculado da atividade de Deus e uma imagem da sua bondade.

7:27  Sendo uma só, tudo pode; permanecendo em si mesma, tudo renova; e, derramando-se nas almas santas de cada geração, ela forma amigos de Deus e profetas,

7:28  pois Deus só ama quem vive com a sabedoria.

7:29  Ela é mais radiante que o Sol, e supera todas as constelações; comparada com a luz, sai vencedora,

7:30  pois a luz dá lugar à noite, mas sobre a sabedoria não prevalece o mal.

Chapter 8

8:1  Ela estende-se com vigor de uma extremidade à outra e tudo governa com bondade.

8:2  *Eu a amei e busquei desde a minha juventude, procurei tomá-la por esposa e enamorei-me da sua formosura.

8:3  A sua intimidade com Deus proclama a nobreza da sua origem, pois o Senhor do universo a amou.

8:4  *É que ela está iniciada na ciência de Deus e é ela quem escolhe as suas obras.

8:5  E se a riqueza é um bem desejável na vida, que há de mais rico que a sabedoria, que tudo pode?

8:6  E se é a inteligência que opera, quem mais que ela é artífice de todas as coisas?

8:7  *E se alguém ama a justiça tem como seus frutos as virtudes, pois ela ensina temperança e prudência, justiça e fortaleza. E nada há mais útil que isto para os homens.

8:8  *Se alguém deseja uma vasta experiência, ela conhece o passado e adivinha o futuro, penetra as subtilezas da linguagem e a chave dos enigmas, prevê sinais e prodígios e o desfecho das idades e dos tempos.

8:9  Por isso, resolvi tomá-la por companheira da minha vida, sabendo que ela será para mim conselheira do bem e consolação nas preocupações e nas tristezas.

8:10  Graças a ela, alcançarei glória entre as multidões e, embora jovem, gozarei do respeito dos anciãos.

8:11  *Ser-me-á reconhecida perspicácia nos julgamentos e farei a admiração dos poderosos.

8:12  *Se me calar, esperarão que fale; se falar, escutar-me-ão atentamente; se me alargar no discurso, ficarão cheios de admiração.

8:13  Graças a ela, alcançarei a imortalidade e deixarei para a posteridade uma memória eterna.

8:14  Governarei povos, e as nações me serão submetidas.

8:15  Os tiranos temíveis, ao ouvir-me, assustar-se-ão. Com o povo, mostrar-me-ei amável e corajoso na guerra.

8:16  Ao regressar a casa, repousarei ao lado dela, pois o seu convívio não tem nada de desagradável nem a sua intimidade é aborrecida, mas apenas deleite e alegria.

8:17  Refletindo eu sobre estas coisas e meditando em meu coração que a imortalidade está em união com a sabedoria;

8:18  que na sua amizade existe um nobre prazer; que na obra das suas mãos há uma riqueza inesgotável; que há inteligência na assiduidade da sua companhia e celebridade no diálogo com ela, ia por toda a parte procurando possuí-la.

8:19  *Eu era um jovem de boas qualidades, que tinha recebido uma alma boa;

8:20  ou melhor, como era bom, vim para um corpo sem mancha.

8:21  Sabendo, porém, que não a alcançaria, se Deus não ma concedesse – e já era inteligência saber de quem vinha o dom – dirigi-me ao Senhor e rezei, dizendo de todo o coração:

Chapter 9

9:1  *«Deus dos nossos pais e Senhor de misericórdia, que tudo criaste pela tua palavra,

9:2  que formaste o homem pela tua sabedoria, a fim de que dominasse sobre todas as criaturas que chamaste à existência,

9:3  governasse o mundo com santidade e justiça e exercesse o julgamento com retidão de espírito,

9:4  *dá-me a sabedoria que se senta junto do teu trono e não me excluas do número dos teus filhos.

9:5  *Pois eu sou teu servo e filho da tua serva, homem débil e de vida breve, incapaz de compreender a justiça e as leis.

9:6  Mesmo que alguém fosse perfeito entre os homens, sem a sabedoria que vem de ti, seria nada.

9:7  Tu me escolheste como rei do teu povo, como juiz dos teus filhos e filhas.

9:8  *Tu me mandaste construir um templo no teu monte santo e um altar na cidade da tua morada, à imitação da tenda santa que preparaste desde o princípio.

9:9  *Contigo está a sabedoria, que conhece as tuas obras, que estava presente quando fazias o mundo, e que sabe o que é agradável a teus olhos e o que é reto segundo os teus mandamentos.

9:10  Envia-a, pois, do teu santo céu, digna-te enviá-la do trono da tua glória, para que me assista nos meus trabalhos, e eu conheça aquilo que te é agradável.

9:11  Pois ela sabe e compreende tudo, guiará os meus atos com prudência e me protegerá com a sua glória.

9:12  Assim, as minhas obras te serão agradáveis, governarei o teu povo com justiça e serei digno do trono de meu pai.

9:13  *Pois que homem poderia conhecer a vontade de Deus? Quem poderá imaginar o que pretende o Senhor?

9:14  Os pensamentos dos mortais são hesitantes, e incertas as nossas reflexões;

9:15  porque o corpo corruptível é um peso para a alma, e esta tenda terrena oprime a mente cheia de cuidados.

9:16  *Mal podemos entender o que há sobre a terra e o que está ao nosso alcance dificilmente o descobrimos; quem poderá, pois, compreender o que há no Céu?

9:17  E quem conhecerá a tua vontade, se não lhe deres a sabedoria, e não enviares o teu santo espírito lá do Céu?

9:18  Assim se endireitaram as veredas dos que vivem na terra, os homens aprenderam o que é do teu agrado e pela sabedoria se salvaram.»

Chapter 10

10:1  *Foi ela quem protegeu o primeiro homem, pai do mundo, quando ele estava só, e o salvou do seu próprio pecado;

10:2  e deu-lhe poder para dominar sobre todas as coisas.

10:3  Mas quando, na sua ira, um homem injusto se afastou dela, pereceu pelo seu furor fratricida.

10:4  Quando, por causa dele, foi inundada a terra, a sabedoria novamente a salvou, conduzindo o justo numa frágil embarcação.

10:5  E quando as nações, unidas no mal, foram confundidas, foi ela quem reconheceu o justo, e o manteve irrepreensível diante de Deus e lhe deu forças para vencer o afeto para com o filho.

10:6  Também, aquando da destruição dos ímpios, foi ela quem salvou o justo que fugia do fogo que caía sobre a Pentápole.

10:7  *Testemunho desta perversidade é ainda uma terra fumegante e deserta, e árvores de frutos que não amadurecem; e, como memorial de uma alma incrédula, está lá uma estátua de sal.

10:8  Pois, por terem desprezado a sabedoria, não só foram privados de conhecer o bem, mas também legaram à história um testemunho da sua insensatez, para que os seus pecados não ficassem esquecidos.

10:9  A sabedoria, porém, livrou desses sofrimentos os seus fiéis.

10:10  Quando o justo fugia da ira do seu irmão, foi ela quem o guiou por caminhos retos, lhe mostrou a realeza de Deus e lhe deu o conhecimento das coisas santas; ela coroou de êxito as suas tarefas e fez frutificar os seus trabalhos.

10:11  Assistiu-o contra a cupidez dos opressores e o cumulou de riquezas;

10:12  *protegeu-o dos seus inimigos, e o defendeu de quantos o atacavam; após um duro combate, deu-lhe a vitória, para lhe ensinar que a piedade é mais poderosa que tudo.

10:13  Quando o justo foi vendido, ela também não o abandonou, antes o preservou do pecado.

10:14  Desceu com ele à cisterna e não o deixou em suas cadeias, até lhe entregar o cetro real e o poder sobre os seus opressores. Desmascarou os que o difamavam e deu-lhe uma glória eterna.

10:15  *Foi ela que livrou o povo santo, raça irrepreensível, de uma nação de opressores.

10:16  *Entrou na alma do servo do Senhor e opôs-se a reis poderosos com sinais e prodígios.

10:17  Deu aos santos o prémio dos seus trabalhos e conduziu-os por um caminho cheio de prodígios; de dia, ela serviu-lhes de sombra e, de noite, de astro flamejante.

10:18  Fê-los atravessar o Mar Vermelho, e os conduziu por águas caudalosas.

10:19  Submergiu os seus inimigos e depois, do fundo do abismo, lançou fora os seus cadáveres.

10:20  Por isso, os justos despojaram os ímpios, celebraram, Senhor, o teu nome santo, e louvaram, a uma só voz, a tua mão protetora.

10:21  *Porque a sabedoria abriu a boca dos mudos e tornou eloquente a língua das crianças.

Chapter 11

11:1  *Fez prosperar as suas obras pelas mãos de um santo profeta.

11:2  Atravessaram um deserto desabitado e montaram as suas tendas em lugares intransitáveis.

11:3  Resistiram aos inimigos e repeliram os seus adversários.

11:4  *Tiveram sede e invocaram-te; deste-lhes, então, água de uma rocha dura, e numa dura pedra encontrou remédio a sua sede.

11:5  Assim, isso mesmo que tinha servido de castigo aos seus inimigos tornou-se para eles benefício nas suas provações.

11:6  Em lugar da água corrente do rio turvada de sangue e lama,

11:7  em castigo pelo decreto infanticida, deste-lhes, inesperadamente, água abundante,

11:8  depois de lhes teres mostrado, pela sede que então sofreram, como castigaste os inimigos.

11:9  Quando, pois, foram provados, embora corrigidos com amor, compreenderam como deviam ter sofrido os ímpios, julgados com ira,

11:10  pois a eles os provaste como pai que corrige, mas a estes os castigaste como rei severo que condena.

11:11  Tanto quando estavam presentes como ausentes, foram igualmente atormentados,

11:12  *pois uma dupla pena os atingiu, gemendo com a lembrança dos males passados:

11:13  quando compreenderam que o seu próprio castigo era um bem para os outros, reconheceram que era o Senhor;

11:14  *pois aquele que outrora tinham rejeitado, expondo-o, ao fim dos acontecimentos o admiraram, quando sentiram uma sede diferente da dos justos.

11:15  Por causa dos pensamentos estúpidos, inspirados na sua maldade, que os extraviaram ao ponto de prestar culto a répteis irracionais e animais desprezíveis, enviaste-lhes, como castigo, uma multidão de animais irracionais,

11:16  *para que compreendessem que, conforme o pecado, assim é o castigo.

11:17  Pois não teria sido difícil à tua mão poderosa, que criara o mundo de matéria informe, enviar contra eles uma multidão de ursos e leões ferozes

11:18  ou animais de espécies novas, recém-criadas, ferocíssimos, que exalassem um sopro de fogo, que expelissem fumo intoxicante ou lançassem dos olhos relâmpagos terríveis,

11:19  capazes não só de os exterminarem com as suas mordeduras, mas até de os fazerem morrer de terror, pelo seu aspeto repelente.

11:20  Mas, mesmo sem isso, eles poderiam morrer com um sopro, perseguidos pela justiça e dispersos pelo teu sopro poderoso. Tu, porém, regulaste tudo com medida, número e peso.

11:21  O teu grande poder está sempre ao teu serviço; quem poderá resistir à força do teu braço?

11:22  Pois diante de ti, o mundo inteiro é como um grão de areia na balança, como a gota de orvalho que de manhã cai sobre a terra.

11:23  Mas Tu tens compaixão de todos, pois tudo podes e desvias os olhos dos pecados dos homens, a fim de os levar à conversão.

11:24  *Tu amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste; pois, se odiasses alguma coisa, não a terias criado.

11:25  E como subsistiria uma coisa, se Tu a não quisesses? Ou como se conservaria, se não tivesse sido chamada por ti?

11:26  *Mas Tu poupas a todos, porque todos são teus, ó Senhor, que amas a vida!

Chapter 12

12:1  O teu espírito incorruptível está em todas as coisas!

12:2  *Por isso, pouco a pouco corriges os que caem, os repreendes e lhes recordas o seu pecado, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor.

12:3  *Os antigos habitantes da tua terra santa,

12:4  Tu os odiaste por causa das obras detestáveis: práticas de magia e ritos sacrílegos,

12:5  cruéis mortes de crianças e banquetes de carne e sangue humanos; a esses iniciados em sangrentas orgias,

12:6  a esses pais assassinos de vidas indefesas decidiste exterminá-los por meio dos nossos antepassados,

12:7  para que esta terra, a mais querida de todas para ti, recebesse uma digna colónia de filhos de Deus.

12:8  *Mas também para com aqueles, porque não deixavam de ser homens, foste clemente, mandando-lhes vespas, como precursoras do teu exército, para os exterminarem pouco a pouco.

12:9  De facto, Tu podias ter entregue os ímpios às mãos dos justos numa batalha, ou destruí-los de uma só vez por meio de animais ferozes ou com uma palavra penetrante;

12:10  mas exercendo a tua justiça progressivamente, lhes davas tempo para se arrependerem, não ignorando embora que eram de má estirpe e a sua maldade, congénita, e que jamais mudaria a sua mentalidade.

12:11  Pois era uma raça maldita desde a origem. E, sem medo de quem quer que fosse, deixaste impunes os seus pecados.

12:12  *Quem ousará, pois, dizer: «Que fizeste?» Ou quem se oporá à tua decisão? Quem te repreenderá por teres destruído as nações que Tu próprio criaste? Ou quem se levantará contra ti a fim de defender homens injustos?

12:13  Não há fora de ti um Deus que cuide de tudo, a quem tenhas de mostrar que os teus juízos não são injustos.

12:14  Não há rei nem soberano que possa desafiar-te para defender os que castigaste.

12:15  Porque Tu és justo, governas tudo com justiça, e julgas impróprio do teu poder condenar a quem não merece castigo.

12:16  Pois o teu poder é o princípio da justiça e o teu domínio sobre tudo te torna indulgente para com todos.

12:17  Demonstras a tua força a quem não crê no teu poder e confundes a ousadia de quem a reconhece.

12:18  *Mas Tu, que dominas a tua força, julgas com bondade e nos governas com grande indulgência, pois podes usar o teu poder quando quiseres.

12:19  Ao atuar assim, Tu ensinaste o teu povo que o justo deve ser amigo dos homens, e deste a teus filhos uma boa esperança, porque, após o pecado, dás a conversão.

12:20  Se aos inimigos de teus filhos, dignos de morte, os castigaste com tanta benignidade e indulgência, dando-lhes tempo e lugar para se afastarem do mal,

12:21  *com quanto mais cuidado não julgaste os teus filhos, a cujos antepassados fizeste juramentos e alianças com boas promessas?

12:22  Assim, para nos educar, castigas com moderação os nossos inimigos para que, quando julgarmos, pensemos na tua bondade e, ao sermos julgados, esperemos misericórdia.

12:23  *Por isso, também àqueles que loucamente viveram no mal, os fizeste sofrer pelas suas próprias abominações,

12:24  *pois se extraviaram demasiado nos caminhos do erro, tomando por deuses os mais vis e repugnantes animais, deixando-se enganar como crianças sem raciocínio.

12:25  Por isso, como a meninos sem razão, lhes deste um castigo que os pôs a ridículo.

12:26  Mas os que com semelhante correção não se emendaram, sofrerão um castigo digno de Deus.

12:27  Irritados pelo sofrimento causado por esses animais, e vendo-se castigados por aqueles que tomavam por deuses, reconheceram como Deus verdadeiro aquele que outrora recusavam conhecer. Por isso, caiu sobre eles a condenação final.

Chapter 13

13:1  *Sim, insensatos são todos aqueles homens em que se instalou a ignorância de Deus e que, a partir dos bens visíveis, não foram capazes de descobrir aquele que é, nem, considerando as obras, reconheceram o Artífice.

13:2  Antes foi o fogo, o vento ou o ar subtil, a abóbada estrelada, ou a água impetuosa, ou os luzeiros do céu que tomaram por deuses, governadores do mundo.

13:3  Se, fascinados pela sua beleza, os tomaram por deuses, aprendam quão mais belo que tudo é o Senhor, pois foi o próprio autor da beleza que os criou.

13:4  E se os impressionou a sua força e o seu poder, compreendam quão mais poderoso é aquele que os criou,

13:5  pois na grandeza e na beleza das criaturas se contempla, por analogia, o seu Criador.

13:6  *Estes, contudo, merecem só uma leve censura porque talvez se extraviem, apenas por buscarem Deus e quererem encontrá-lo.

13:7  Movendo-se no meio das suas obras, investigam-nas, mas deixam-se seduzir pela aparência, pois são belas as coisas que veem.

13:8  De qualquer modo, nem sequer estes são desculpáveis,

13:9  porque, se tiveram tanta capacidade para poderem perscrutar o universo, como não descobriram, primeiro, o Senhor dessas coisas?

13:10  *Mas mais infelizes são aqueles que puseram a sua esperança em coisas mortas, os que chamaram deuses à obra de mãos humanas: ouro e prata trabalhados com arte, figuras de animais ou alguma pedra inútil, obra de mão antiga.

13:11  Imaginemos um carpinteiro: corta com uma serra um tronco fácil de trabalhar, tira-lhe cuidadosamente toda a casca, trabalha-o habilmente e faz dele um utensílio para uso comum.

13:12  Com o que sobrou da sua obra, prepara a comida com que fica saciado.

13:13  O último desperdício que não serve para nada, um pau torto e cheio de nós, ele toma-o e, nas horas de lazer, trabalha-o, modela-o com arte para distrair-se e dá-lhe as feições de um homem,

13:14  ou a figura de um animal desprezível; depois cobre-o de vermelho, pinta-o de cor encarnada e faz desaparecer todos os seus defeitos.

13:15  Enfim, prepara-lhe um nicho adequado, coloca-o na parede e fixa-o com um prego;

13:16  *toma precauções para que não caia, sabendo que ele não pode valer-se a si mesmo, pois é uma estátua que precisa de ajuda.

13:17  Não se envergonha de falar com aquele objeto sem vida; mas, quando lhe reza pelos seus bens, pelo seu casamento e pelos filhos, pede saúde a quem é fraco,

13:18  pede vida a quem está morto; pede ajuda a quem não pode socorrer, pede uma viagem feliz a quem nem sequer pode dar um passo;

13:19  e, para os investimentos, negócios e trabalhos, pede força a quem nem é capaz de mexer as mãos.

Chapter 14

14:1  *Há também quem, querendo navegar e atravessar as ondas encrespadas, invoque a um madeiro mais frágil que o barco que o transporta.

14:2  Foi, com efeito, a ambição do lucro que o inventou e um artista que, com sabedoria, o fabricou.

14:3  *Mas é a tua providência, ó Pai, quem segura o leme, pois abriste um caminho até no mar, e uma rota segura no meio das ondas,

14:4  mostrando assim que podes salvar de todo o perigo, de tal modo que, mesmo sem experiência, alguém pode embarcar.

14:5  Tu não queres que as obras da tua sabedoria sejam inúteis. Por isso, os homens confiam as suas vidas a uma pequena barca, e, atravessando as ondas, salvam-se numa jangada.

14:6  *Já no princípio, quando pereciam os gigantes orgulhosos, a esperança do mundo se refugiou numa barca que, pilotada pela tua mão, legou ao mundo a semente de uma nova geração.

14:7  *Bendito seja, pois, o madeiro pelo qual vem a justiça!

14:8  Mas maldito seja o ídolo, obra da mão humana, tanto ele, como quem o fez: este porque o fez, aquele porque, sendo corruptível, foi chamado deus.

14:9  Pois Deus odeia igualmente o ímpio e a sua maldade;

14:10  e a obra e o seu autor receberão igual castigo.

14:11  *Por isso, serão julgados os ídolos das nações porque, na criação de Deus, se converteram em algo abominável, escândalo para as almas dos homens e armadilha para os pés dos insensatos.

14:12  *A ideia de fazer ídolos originou esta prostituição, a sua descoberta corrompeu a vida.

14:13  Pois eles não existiam ao princípio nem existirão para sempre.

14:14  Foi pela insensatez dos homens que entraram no mundo. Por isso, foi decretado o seu fim para breve.

14:15  *Afligido por um luto prematuro, um pai manda fazer a imagem do filho, tão cedo arrebatado, e honra agora como deus o que antes era um homem morto, instituindo para os seus subordinados ritos e mistérios.

14:16  Com o tempo, firma-se o ímpio costume que passa a ser observado como lei.

14:17  *Também por ordem dos soberanos, as estátuas recebem culto. Aqueles que, por viverem longe, não os podiam honrar pessoalmente, representavam a sua figura distante, fazendo uma imagem visível do rei que honravam, para adular com fervor o ausente, como se estivesse presente.

14:18  Para a extensão do culto, mesmo entre aqueles que o não conheciam, contribuiu a ambição do artista,

14:19  pois, querendo este talvez agradar ao soberano, esmerou a sua arte para o fazer mais belo que a realidade.

14:20  Assim, a gente, atraída pelo encanto da obra, adorava ao que pouco antes honrava como homem.

14:21  *E isto se converteu numa cilada para a humanidade, pois os homens, vítimas da desgraça ou do poder, deram o nome incomunicável à pedra e à madeira.

14:22  Como se não bastasse terem errado acerca do conhecimento de Deus, eis que, debatendo-se na sua própria ignorância, os homens, vivendo em violenta guerra, chamam paz a tão grandes males.

14:23  Pois, com os seus ritos infanticidas, os seus mistérios ocultos, ou as suas frenéticas orgias de ritos extravagantes,

14:24  já não guardam pura nem a vida nem o casamento, mas um ao outro se mata à traição ou se ultrajam pelo adultério.

14:25  *Por toda a parte andam misturados sangue e crime, roubo e fraude, corrupção, deslealdade, revolta e perjúrio,

14:26  confusão dos valores, esquecimento da gratidão, impureza das almas, perversão sexual, desordem dos casamentos, adultério e imoralidade.

14:27  Pois o culto dos ídolos impessoais é o princípio, a causa e o fim de todos os males.

14:28  Na verdade, ou se entregam a divertimentos até ao delírio, ou profetizam a mentira, ou vivem na injustiça, ou perjuram a toda a hora.

14:29  Ao pôr a sua confiança em ídolos sem vida, não temem dano algum pelos seus falsos juramentos.

14:30  Um duplo castigo, porém, cairá sobre eles, porque se equivocaram acerca de Deus, adorando os ídolos, e juraram contra a verdade e a justiça, desprezando a santidade.

14:31  Pois não é o poder dos ídolos invocados, mas a justiça que se exerce sobre os pecadores que persegue sempre as faltas dos injustos.

Chapter 15

15:1  Mas Tu, nosso Deus, és bom e verdadeiro, paciente, e tudo governas com misericórdia.

15:2  Mesmo quando pecamos, somos teus; pois conhecemos o teu poder, mas não queremos pecar, sabendo que te pertencemos.

15:3  Conhecer-te leva à justiça perfeita, e reconhecer o teu poder é a raiz da imortalidade.

15:4  *Não nos extraviaram as perversas invenções dos homens, nem as estéreis obras dos pintores, figuras besuntadas de várias cores,

15:5  cuja contemplação desperta a paixão dos insensatos, que se entusiasmam com a figura inanimada de uma imagem morta.

15:6  Enamorados do mal e dignos de tais esperanças assim são os que as fazem, as amam ou as adoram!

15:7  *Olhai o oleiro que amassa intensamente a terra mole e modela cada objeto para o nosso uso. Da mesma argila, modela tanto os vasos para serviços limpos como os destinados para usos contrários; mas é o oleiro quem determina qual deve ser o uso de cada um deles.

15:8  Depois – esforço mal empregado – modela um falso deus do mesmo barro, ele que pouco antes saíra da terra e, pouco depois, voltará a essa terra, de onde foi tirado, quando tiver que prestar contas da vida recebida.

15:9  Mas não pensa que tem de morrer nem que a sua vida é breve; antes, rivaliza com fabricantes de ouro e prata, imita os que trabalham o bronze e vangloria-se de fabricar figuras falsas.

15:10  É cinza o seu coração, mais vil que a terra é a sua esperança, a sua vida é mais desprezível do que o barro,

15:11  porque desconhece aquele que o formou, aquele que lhe infundiu uma alma ativa e lhe insuflou o espírito vital.

15:12  Considera a nossa vida como um divertimento e a existência como uma feira de negócios, pois – diz ele – é preciso tirar proveito de tudo, até mesmo do mal.

15:13  Mas, melhor que ninguém, ele bem sabe que peca, fazendo do mesmo barro vasos frágeis e estátuas de ídolos.

15:14  Muito mais insensatos e infelizes que a alma duma criança são os inimigos do teu povo, que o oprimiam;

15:15  *pois eles consideraram como deuses todos os ídolos das nações, que não podem servir-se dos olhos para ver, nem do nariz para respirar o ar, nem dos ouvidos para ouvir, nem dos dedos das mãos para apalpar, e cujos pés são inúteis para andar.

15:16  *Pois foi um homem quem os fez, o espírito de um ser emprestado os formou. Ora nenhum homem pode fazer um deus semelhante a si.

15:17  Como ele é mortal, as suas mãos ímpias só produzem coisas mortas. É que ele é bem melhor que os objetos que adora, pois ele foi dotado de vida e aqueles nunca a tiveram.

15:18  *E eles adoram, até, os mais repugnantes animais, que, em estupidez, superam todos os outros.

15:19  Nada há neles que os torne atraentes como os outros animais; até foram excluídos do elogio de Deus e da sua bênção.

Chapter 16

16:1  Por isso, foram justamente castigados por animais semelhantes, torturados por pragas de bichos.

16:2  Em vez de tal castigo, foste bom para o teu povo e, para satisfazer o ardor do seu apetite, preparaste-lhe codornizes, alimento delicioso.

16:3  *Assim, enquanto aqueles tinham fome, mas perdiam o apetite perante o aspeto dos animais enviados ao seu encontro, estes, depois de um breve jejum, saborearam um manjar delicioso.

16:4  Era preciso, pois, que sobre aqueles opressores caísse uma fome implacável, enquanto, a estes, bastava mostrar-lhes como eram atormentados os seus inimigos.

16:5  *E mesmo, quando veio sobre eles a terrível fúria das feras, e pereciam pela mordedura das serpentes sinuosas, a tua ira não durou até ao fim.

16:6  Para sua correção, foram atribulados por pouco tempo, mas tinham um sinal de salvação para lhes recordar os mandamentos da tua Lei.

16:7  Quem se voltava para ele era curado, não pelo que via, mas por ti, salvador de todos.

16:8  E assim demonstraste aos nossos inimigos que és Tu quem livra de todo o mal.

16:9  *Eles morreram pelas picadas de gafanhotos e moscas, sem poder encontrar remédio para salvar a vida porque mereciam semelhante castigo.

16:10  Mas, quanto aos teus filhos, nem sequer os dentes das serpentes venenosas os puderam vencer, porque interveio a tua misericórdia e os salvou.

16:11  Eram picados e logo ficavam curados, para que se lembrassem das tuas palavras, a fim de não as esquecerem completamente, e serem, assim, excluídos da tua benevolência.

16:12  *E nem erva nem pomada lhes serviu de alívio, mas foi a tua palavra, Senhor, que tudo cura!

16:13  *Tu tens poder sobre a vida e a morte, fazes descer até às portas do Abismo e de lá fazes regressar.

16:14  É que o homem, pela sua maldade, pode matar; mas não pode fazer regressar o espírito que tinha saído nem pode libertar a alma que desceu ao Abismo.

16:15  É impossível escapar à tua mão.

16:16  *Os ímpios que recusavam reconhecer-te foram flagelados pelo poder do teu braço. Caíram sobre eles chuvas estranhas, granizos, tempestades implacáveis, e um fogo que os devorava.

16:17  O mais surpreendente era que, na água que tudo apaga, o fogo ainda mais ardia; é que o universo combate pelos justos!

16:18  Umas vezes, a chama abrandava, para não queimar os animais enviados contra os ímpios, a fim de que, ao contemplá-los, reconhecessem que o juízo de Deus os perseguia.

16:19  Outras vezes, mesmo no seio da água, ela ardia com violência superior à do fogo, para destruir os frutos de uma terra iníqua.

16:20  *Mas, pelo contrário, deste ao teu povo um alimento dos anjos, enviaste-lhe do céu um pão, sem esforço deles, capaz de todos os sabores e adaptado a todos os gostos.

16:21  Este alimento manifestava a tua doçura para com os teus filhos, já que se acomodava ao gosto de quem o comia e se transformava segundo o desejo de cada um.

16:22  A neve e o gelo resistiam ao fogo sem se derreterem, para que soubessem que as colheitas dos inimigos tinham sido destruídas por um fogo que ardia no meio do granizo e flamejava sob a chuva;

16:23  mas o mesmo fogo, em outra ocasião, e para que os justos se alimentassem, esqueceu-se até da sua própria força.

16:24  É que a própria criação, submissa a ti, seu Criador, se endurece para castigar os maus e cede para fazer o bem aos que confiaram em ti.

16:25  E assim, prestando-se a tomar todas as formas, se colocava ao serviço da tua bondade, que a todos alimenta, de acordo com o desejo dos que te suplicavam.

16:26  *Assim, os teus filhos queridos, Senhor, aprenderão que não são os frutos que alimentam o homem, mas é a tua palavra que alimenta os que creem em ti.

16:27  Pois, o que o fogo não destruía, logo se derretia ao calor de um leve raio de Sol,

16:28  *para que todos soubessem que é necessário madrugar mais que o Sol, a fim de te dar graças e de te encontrar desde o raiar do dia.

16:29  Mas a esperança do ingrato há de derreter-se como a geada no Inverno, há de escoar-se como água que não presta.

Chapter 17

17:1  Grandes e impenetráveis são os teus juízos. Por isso, as almas ignorantes se extraviam.

17:2  *Os ímpios, pensando que podiam oprimir o teu povo santo, ficaram prisioneiros das trevas e encarcerados numa longa noite, encerrados sob os seus tetos e excluídos da eterna providência.

17:3  Pensavam ficar ocultos com os seus pecados secretos, sob o sombrio véu do esquecimento, mas foram dispersos, possuídos de terrível espanto, e apavorados por fantasmas.

17:4  Nem o esconderijo em que se refugiavam os preservava do medo; ruídos aterradores ressoavam à sua volta e lúgubres espetros de pálidos rostos lhes apareciam.

17:5  Nenhuma chama tinha força bastante para os alumiar, nem os fulgores cintilantes dos astros conseguiam iluminar aquela horrorosa noite.

17:6  Somente brilhava para eles um clarão aceso por si mesmo e que os apavorava; mas, logo que desaparecia a visão, ficavam aterrados e consideravam ainda pior o que viam.

17:7  Os artifícios da magia mostravam a sua impotência, e a sua pretensão de inteligência conhecia um fracasso humilhante,

17:8  pois os que prometiam afugentar os medos e as perturbações da alma doente, esses mesmos eram vítimas de um pânico ridículo.

17:9  Mesmo que nada de mais grave os perturbasse, a passagem de animais e os sibilos das serpentes os sobressaltavam e morriam de medo, recusando-se até a olhar à sua volta, o que não se pode evitar.

17:10  *Com efeito, a maldade é cobarde e por seu próprio testemunho se condena; pressionada pela consciência, sempre imagina o pior,

17:11  porque o medo não é outra coisa senão a renúncia aos auxílios da razão.

17:12  Quanto menor é a segurança interior tanto mais se sente a ignorância da causa do tormento.

17:13  Eles, porém, durante aquela noite verdadeiramente insuportável, saída das profundezas do impotente Abismo, dormiam o mesmo sono:

17:14  eram perturbados por espetros monstruosos, pelo abatimento da alma, pois um súbito e inesperado terror os invadira.

17:15  E também todo aquele, fosse quem fosse, que lá estivesse caía, ficava preso e encarcerado e numa prisão sem trancas.

17:16  De facto, se o agricultor ou o pastor, ou o trabalhador do campo fosse surpreendido pelo flagelo, deveria suportar a necessidade inelutável, pois todos estavam acorrentados à mesma cadeia de trevas.

17:17  O vento que assobiava, o canto melodioso dos pássaros na ramagem frondosa, o murmúrio das águas correndo impetuosas ou o estrondo das rochas que se desprendiam,

17:18  a carreira invisível de animais saltitantes, o forte rugido dos animais mais selvagens ou o eco que se repercutia nos vales das montanhas, tudo os fazia estarrecer de pavor.

17:19  Pois o mundo inteiro estava iluminado por uma luz esplendorosa e cada um prosseguia, sem obstáculos, os seus trabalhos.

17:20  Somente sobre eles se tinha estendido uma densa noite, imagem das trevas que os esperavam. Mas, para si mesmos, eles eram mais insuportáveis do que as trevas.

Chapter 18

18:1  Para os teus santos, pelo contrário, havia uma luz brilhantíssima. Os outros, que ouviam a sua voz mas não viam a sua figura, felicitavam-nos por não terem sofrido como eles,

18:2  *agradeciam-lhes por não se terem vingado dos maus tratos recebidos e pediam-lhes perdão pela sua hostilidade.

18:3  Ora, em lugar de trevas, deste aos teus uma coluna de fogo para os guiar por um caminho desconhecido, como sol inofensivo, na sua gloriosa peregrinação.

18:4  *Mas os outros bem mereciam ser privados de luz e encerrados em trevas, por terem mantido presos os teus filhos, pelos quais se devia comunicar ao mundo a luz incorruptível da tua Lei.

18:5  *Àqueles que tinham decidido matar os filhos dos santos, um dos quais foi exposto e salvo, para os castigar, Tu lhes tiraste uma multidão de filhos e os aniquilaste todos juntos na água impetuosa.

18:6  Aquela noite fora de antemão conhecida por nossos pais, para que, sabendo em que promessas tinham acreditado, se sentissem encorajados.

18:7  Assim, era esperada pelo teu povo a salvação dos justos e a ruína dos inimigos.

18:8  Com efeito, o que foi um castigo para os nossos adversários, tornou-se para nós um título de glória, pois nos chamavas para ti.

18:9  *Os piedosos, filhos dos justos, ofereciam sacrifícios secretos e, de comum acordo, estabeleceram esta lei divina de que os santos partilhassem igualmente seus bens e perigos. E logo entoaram os hinos dos pais.

18:10  *Em contrapartida, ressoavam os gritos dissonantes dos inimigos, e ecoava a voz plangente dos que choravam os seus filhos.

18:11  A mesma dor feria escravo e senhor, e tanto sofria o plebeu como o rei.

18:12  Todos igualmente, com o mesmo género de morte, tinham inumeráveis mortos; não havia vivos suficientes para os enterrar, pois, num instante, perecera o melhor da sua raça.

18:13  *Então, aqueles que tinham permanecido incrédulos por causa da magia, ao ver morrer os seus primogénitos, reconheceram que este povo era filho de Deus.

18:14  Quando um silêncio profundo envolvia todas as coisas e a noite ia a meio do seu curso,

18:15  *então, a tua palavra omnipotente desceu do céu e do trono real e, como um implacável guerreiro, lançou-se para o meio da terra condenada à ruína, trazendo, como espada afiada, o teu irrevogável decreto.

18:16  Deteve-se e encheu de morte o universo; de um lado, tocava o céu, do outro, pisava a terra.

18:17  Logo sonhos e visões terríveis os perturbaram e os assaltaram temores inesperados.

18:18  Caídos meio-mortos por toda a parte, manifestavam a causa da sua morte,

18:19  pois os sonhos que os agitavam lhes tinham revelado tal causa, a fim de que não morressem sem saber porque eram castigados.

18:20  *No entanto, a provação da morte também feriu os justos, e um flagelo abateu grande número no deserto, mas a ira não durou muito,

18:21  *pois um homem irrepreensível se apressou a tomar a defesa deles: com as armas do seu ministério, a oração e o incenso expiatório enfrentou a ira e pôs fim ao flagelo, mostrando bem que era teu servo.

18:22  Venceu a revolta, não pela força corporal, nem pela força das armas, mas, pela palavra, deteve quem os castigava, recordando as promessas e as alianças feitas aos patriarcas.

18:23  Já os mortos se amontoavam uns sobre os outros, quando ele se interpôs, detendo o assalto e cortando-lhe o caminho que levava aos vivos.

18:24  *Na sua longa veste, estava representado o universo inteiro, em quatro fileiras de pedras preciosas estavam gravados os nomes gloriosos dos patriarcas, e a tua majestade, sobre o diadema da sua cabeça.

18:25  Perante estas coisas, o exterminador recuou assustado; e a simples demonstração da tua ira fora suficiente.

Chapter 19

19:1  *Então sobre os ímpios descarregou até ao fim uma ira implacável, pois Deus sabia de antemão o seu comportamento:

19:2  sabia que eles os deixariam partir, que os despediriam apressadamente, mas que mudariam de ideias e os perseguiriam.

19:3  De facto, tendo ainda em suas mãos os objetos do luto e chorando sobre os túmulos dos mortos, eis que concebem outro plano descabido: aos que tinham pedido que saíssem, perseguem agora como se de fugitivos se tratasse.

19:4  *Um merecido destino os arrastou a este extremo e os fez esquecer o passado, para que sofressem o castigo que faltava aos seus tormentos;

19:5  *e, enquanto o teu povo realizava uma travessia prodigiosa, eles encontraram uma morte insólita.

19:6  *É que toda a criação, obediente às tuas ordens, tomava novas formas em sua própria natureza para guardar os teus filhos de todo o mal.

19:7  Uma nuvem cobriu de sombra o acampamento e do que dantes era água viu-se emergir terra seca, o Mar Vermelho tornou-se um caminho transitável, e as ondas impetuosas, uma planície verdejante;

19:8  por ali passou todo o povo, protegido pela tua mão, contemplando prodígios admiráveis.

19:9  Iam como cavalos pastando no prado, e como cordeiros saltitando, e glorificavam-te, Senhor, a ti que os salvavas.

19:10  *Pois se recordavam ainda dos acontecimentos do exílio: como a terra, em vez de animais, produziu mosquitos, e como o rio, em vez de peixes, lançou para fora uma multidão de rãs.

19:11  Mais tarde, também viram uma nova espécie de aves, quando, movidos pelo apetite, pediram manjares apetitosos,

19:12  *e, para satisfazerem os seus desejos, vieram do lado do mar as codornizes.

19:13  Os castigos caíram sobre os pecadores, não sem ter havido como sinais raios violentos. Eles sofriam justamente pelas suas próprias maldades, pois tinham mostrado violenta aversão aos estrangeiros.

19:14  *Outros houve que não quiseram acolher os desconhecidos que chegavam. Mas eles escravizaram hóspedes que tinham sido seus benfeitores.

19:15  Mas não é tudo: para aqueles haverá um castigo, pois receberam os estrangeiros de modo hostil;

19:16  mas estes, depois de terem recebido com alegria aqueles que já tinham parte nos mesmos direitos, maltrataram-nos com terríveis trabalhos.

19:17  Por isso, foram feridos de cegueira como aqueles que, às portas do justo, envoltos em densas trevas, procurava cada um a entrada de sua própria casa.

19:18  *Assim, os elementos mudavam entre si as suas propriedades como na harpa, em que as notas modificam a natureza do ritmo, mas conservam a mesma sonoridade. É isto o que se pode ver claramente, quando se examinam os acontecimentos:

19:19  *os animais terrestres mudavam-se em aquáticos, e os aquáticos passavam para a terra;

19:20  o fogo redobrava a sua força na água e a água esquecia a sua propriedade de o extinguir;

19:21  ao contrário, as chamas não consumiam as carnes dos débeis animais, que iam e vinham por entre elas, nem dissolviam aqueles deliciosos manjares, semelhantes ao gelo que facilmente derrete.

19:22  *Em tudo, Senhor, Tu engrandeceste e glorificaste o teu povo, e não deixaste de o assistir em todo o tempo e lugar.